terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Vamos Ler ...


Escrever pressupõe muitos movimentos interiores e exteriores a quem escreve.

A escrita não é um acto solitário, pois no momento em que se tenta grafar o pensamento, há que ter em consideração a existência de muitos que, antes de nós, pensaram, na nossa ou noutra Língua, um mesmo, ou semelhante pensamento.

Transportamos, assim, uma multidão na ponta da caneta, uma sabedoria linguística, sociolinguística, sociocultural partilhada com tantos falantes da nossa prória Língua ou, até, tantas vezes, de outras Línguas...

A escrita não é uma necessidade do Homem, é, antes de mais, uma das formas que este tem de se entregar aos outros, de marcar um território, por tantos partilhado. O acto de escrever justifica o Homem e, nalguns casos, impele outros a uma outra forma de escrita, a leitura...

A leitura grafa na memória, na consciência, no movimento psico-emocional, imagens, ideias, sentimentos... grafa-os de várias formas: mais concretas ou abstratas, acompanhadas dos sons da Língua, de gráficos psicolinguísticos, organizados que permitem a leitura.

Ao lermos (ins)escrevemos, na nossa consciência-primeira, uma quantidade de impressões que terão, a seu tempo, de ser decifradas, compreendidas, ou abandonadas...

O que retemos nós das leituras que fazemos? Dependerá do tipo de leitura, da época da vida em que a fizemos e de muitas outras condicionantes , mas dependerá ,certamente, também, daquilo que desejamos ler para além do que está escrito.

A interpretação do que está escrito é o conhecimento da própria escrita. O texto plural é aquele que pressupõe várias leituras, visões diferentes do mundo do escrevente. Assim sendo, poderemos afirmar que grande parte dos textos, e não todos, são textos plurais... O leitor vai, quantas vezes, muito para além das propostas de quem escreve, reinventando o texto, desfazendo metáforas, acrescentando ou destruindo...

O texto escrito fica então subjugado às sugestões do leitor.

Ao longo da vida, o leitor vai adquirindo mecanismos que lhe permitem decifrar os códigos línguisticos, sociais, culturais e psicolinguísticos do texto, mas já antes disso ele consegue fazer leituras variadas do mundo à sua volta - aprendeu uma série de regras sociais; a interpretar os desejos e estados de espírito dos seus interlucotores e de si mesmo, a reagir aos mais variados estímulos, a variar as respostas consoante esses mesmos estímulos etc... aprendeu a fazer uma série de leituras... ( utilizando a linguagem não-verbal ). É essa aprendizagem que o vai preparar para a constante interiorização do código específico que é a linguagem grafada e, em simultâneo, ser ele próprio capaz de grafar, usando o mesmo código, os seus pensamentos e movimentos psicolinguísticos e tudo o resto que está subjacente ao acto da escrita.

Parece ser a variedade de respostas que indivíduo é capaz de dar aos vários estímulos, das linguagens não verbais, que vai fazer com que, depois de apreender os mecanismos que o levam à leitura e à escrita, se sinta capacitado para uma interpretação, cada vez mais plural, do no acto da leitura.

Como atrás fica dito, o processo de aprendizagem da leitura/interpretação inicia-se muito antes dos primeiros contactos com os códigos que levam à leitura/escrita e não se esgotam com estes, continuando pela vida fora, sempre dependentes do nível e da capacidade interpretativa que temos do mundo, muito para além da nossa vida interior, da vida interior dos outros e de todos os estímulos exteriores ao indivíduo, que o convocam para uma panóplia de respostas constantes e sempre variadas...

H. Levy

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