quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Diário II Gosto de Água


Gosto de água!

Gosto de água, de rios, ribeiros, mares, oceanos, de lagos e de charcos. Gosto de grandes copos de água cristalina e muito fresca. Gosto de fontes e de torneiras abertas, da água que corre dos beirados para o chão. Gosto da chuva, da neve quando derrete, dos lençóis de água subterrâneos, de poços profundos, de todas as águas que correm na cidade quando chove, de chapéus-de-chuva abertos, de roupa molhada estendida à chuva. Gosto de lágrimas grossas e quentes que escorrem pelas faces em sinal de alegrias...

Não gosto da água triste, lágrimas de dor, das tempestades no mar, das cheias, de enormes ondas oceânicas que trazem à terra a destruição e a dor... de naufrágios e de náufragos.

Gosto da água contente que corre e salta pelos montes, da tranquilidade dos lagos, das crianças que, enquanto brincam, são beijadas pelo mar salgado, gosto dos charcos onde vivem felizes as râs. Gosto das tempestades e grandes chuvas da ilha do Príncipe, gosto das danças e da alegria das chuvas Caboverdianas, gosto dos camelos da Mauritânia que transportam as águas no seu interior, gosto de bilhas de barro cheias de água, de garrafas transparentes meias de àgua no frigorífico. Gosto das mulheres e meninas, do Surinão, que transportam água à cabeça e são por ela salpicadas, gosto das máquinas da roupa quando estão a trabalhar... gosto das mulheres ajoelhadas nos riachos e nos ribeiros, do Campocheia, a bater a roupa em enormes pedras... gosto dos glaciares e dos ursos polares que comem neve. Gosto da água que serve de berço a todos os mamíferos...

Gosto da água que cai em finos fios por cima da cabeça dos bebés inclinados sobre grandes pias de pedra. Gosto das palavras que com elas trazem água. Palavras líquidas de alegria e esperança. Palavras de amor e compromisso... palavras de certeza e vida... palavras oblíquas inclinadas que pela cabeça escorrem devolvendo o Mistério à Humanidade.

Gosto da água por ela não conseguir estar muito tempo no mesmo local, por ser nuvem e mar, por correr por toda a terra... pela sede que a água tem de a todos alimentar...
Gosto da água que se esconde nos céus e no interior da terra, gosto de a poder transportar.

Em gotas ou em mares imensos, salgada ou doce, a água é a junção dos ares... é a luz, é um novo corpo, o corpo dos animais e das plantas e até dos minerais... Gosto da água que se evapora com o calor tórrido de Asmara... gosto de ilhas e de cidades submersas.

Gosto de água !

H. Levy

1 comentário:

Unknown disse...

A água somos nós. Gostei imenso do texto. Eu gosto até da água triste que nos escorre dos olhos... pelo potencial libertador que encerra, pela capacidade plástica que tem de deixar vago o lugar à criação de algo novo...