quarta-feira, 2 de maio de 2007

Diário IV Numa Rua de Lisboa...

Lisboa acorda cedo, antes dela eu! Ambos gostamos das primeiras luzes da manhâ.
A cidade perfuma-se com os ventos atlânticos, os bairros vestem-se cor da fruta das lojas de frescos. O Sol, reflectido no largo estuário do Tejo, devolve a luz à cidade casada com nuvens ora muito brancas ora prateadas...

Acordo cedo, a manhâ impele-me a grandes caminhadas até ao local onde trabalho. Por ruas becos e travessas vou deixando o meu olhar atento. Entro em todas as mercearias, gosto de ver o que cada uma propõe para a mesa dos lisboetas. Compro sempre fruta, legumes e queijos, peço que me dêm informações culinárias para cozinhar determinado ingrediente. Recebo sorrisos acolhedores, receitas simples e apetitosas. Sigo o meu caminho, continuando a observar talhos, casa de fruta, peixarias, e a grande variedade de pequenos negócios que a cidade oferece a quem nela vive.

Intrigava-me uma pequena loja, toda em mármore com um balcão branco da mesma pedra, que nada vendia, mas que desde cedo tinha as portas abertas. Atrás do balcão uma senhora de cara redonda brilhante acariciava um gato de três cores, ou seja uma gata, pois só as gatas são tricolores.
Normalmente, pouco antes das oito da manhã, passava pela rua dessa inigmática loja, nunca lá vi nenhum cliente, nem sequer nada que pudesse ser vendido... Só os mármores muito limpos, já gastos, a senhora de cara brilhante e a gata que ou estava sentada à porta, ou ao colo da senhora que por vezes se sentava num banquinho junto a uma montra de vidro reluzente.

Por diversas vezes me interroguei sobre o negócio daquela criatura. Que venderia ela ?

Numa manhâ chuvosa de Abril, entrei na loja a fim de saciar a minha curiosidade. Saudei a senhora, fiz uma longa festa à gata. Enquanto acaciava a gatinha a senhora perguntou-me se tinha sido alguém de confiança quem me mandara ali. Respondi-lhe que sim, que fora uma amiga e que me dera as melhores referências... De forma enérgica e sem vacilar, a senhora, de faces brilhantes, informou-me que só à quinta-feira... que era preciso encomendar as quantidades. Fiquei atónito, sem saber o que dizer! Para ganhar tempo, peguei na gata, quis saber o seu nome, enquanto isso a proprietária da misteriosa loja perguntou-me se eu queria das brancas ou das castanhas... Tudo me passou pela cabeça... dar-se-ia o caso daquela senhora de meia-idade, lustrosa e de ar digno ser uma passadora de substâncias ilícitas ? Respondi, ao calhas... queria
da branca, ao que ela me perguntou quantos quilos. Quilos!! Não era possível! Ela vendia heroína e cocaína aos quilos ??!! Não respondi. Olhei-a nos olhos, continuando com a gata ao colo. A senhora não desistiu , informando-me que as mais pesadas eram menos tenrinhas e que tinham que ir à panela de pressão. Disse-lhe que não tinha tal panela, então ela decidiu que eu passaria na quinta-feira e levaria uma de cerca de dois quilos.

Saí da loja sem saber o que acabara de encomendar. Era terça-feira, durante dois dias aquela senhora e a "coisa" de dois quilos que iria buscar na quinta-feira não me saiam da cabeça...

No dia combinado, entrei na loja, fui recebido pela gata e pelo sorriso da senhora de pele brilhante que tirou de trás do balcão um saco de palástico, para além do preço informou-me que tinha ovinhos e tudo... dava para fazer uma rica canja...!

D. Matilde, hoje conheço-lhe o nome, somos amigos, negoceia aves de capoeira. Tem uma pequena quinta para os lados de Sintra onde cria as mais saborosas e saudáveis galinhas. Vende-as só a clientes certos, é proibido vender animais abatidos sem vigilância veterinária e sem terem sido alimentados com hormonas e antibióticos.

Todos os anos, pelo Natal, D. Matilde cria um peru só para mim!
Chama-me menino. O ano passado, pelo meu casamento, ofereceu-me uma panela de pressão!

terça-feira, 24 de abril de 2007

Diário III O Milagre...


A noite caía por perto... não na distância contável em metros que nos separa da porta do quarto quando estamos sentados na cama a comtemplar a alvura do tecto, mas perto, mesmo perto de um pensamento. Era aí que a noite caíra.

Quando anoitece num lugar perto do pensamento, abrimos muito os olhos, concentramo-nos no essencial e entregamo-nos ao sono. Local onde permaneceremos um dia sem constatarmos o Milagre diário de acordar...

Acordamos todos os dias , desvalorizamos o mistério, benção dessa acção!

Ao longo da vida vamos coleccionando diversos acordares. Quando compramos uns dias de férias em África, ou noutro qualquer destino, o que nos é proporcionado, na verdade, é o facto de irmos acordar em lugares diferente da nossa cidade...

Acordamos sozinhos, bem ou mal acompanhados, ao lado do gato que se enroscou em nós, ao lado do cão que dorme no tapete... Enquanto crianças alguns acordam ao lado dos irmãos com quem partilham o quarto. Quando mais pequenos acordávamos no berço do quarto dos nossos pais... Já acordámos na praia, junto ao mar ou nas dunas, de manhã ou ao entardecer. Debaixo de uma árvore, ou com a boca na areia, acordámos também no meio de algumas aulas, no carro, comboio ou avião...

Alguns quando acordam parecem zombis, o Milagre de acordar demora tempo a abandoná-los, outros saem do sono com ligeireza e depois de acordarem estão acordados! Prontos para voltar a adormecer quando a magia se desvanescer...
As crianças acordam, não tantas vezes como deviam, no colo dos pais, dos avós ou dos irmãos...

Os mortos que não morreram acordam nas morgues, alguns doentes nos hospitais...
Os velhos acordam várias vezes por dia, abandonados à solidão de acordarem tristes...

Há os que acordam contrariados, sabem que os espera um dia agitado, ou porque queriam saber como acabaria o sonho interrompido pelo Milagre.

Alguns acordam no fresco das igrejas. No decorrer de um concerto, durante um filme, ou mesmo de uma peça de teatro. Acordam também a meio da leitura, em frente a um computador ou televisão, sentados na sala de espera de um Centro de Saúde ou dentista...

Acordar tem sempre algo de surpreendente, de futuro, de magia e de mistério. De encantamento e de vida... Milagre!

Reescreva-se então o texto: No princípio era o Verbo e o Verbo acordou e com Ele acordaram todas as coisas adormecidas na memória criadora de Deus...

Nada poderia existir se o Verbo ainda dormisse e não tivesse nunca acordado para o Milagre da Criação... da Vida... do Universo...

Os olhos do Senhor Deus acordaram, nessa manhã criou-se o acordar de todas as coisas, as visíveis e as invisíveis.... assim se instaurou o Milagre por toda a Eternidade...mesmo quando esta parece adormecida...

H. Levy

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Feminino Muito Plural -- Virgínia Quaresma

Virgínia Quaresma nasceu em Elvas em 1882 e faleceu em 1973.

Virgínia Quaresma foi a primeira mulher a exercer jornalismo em Portugal.
Foi colaboradora muito activa nas redacções dos jornais O Século e A Capital. Fundou a primeira agência de publicidade no jornalismo.

No período que se seguiu à Implantação da República até ao Movimento de 28 de Maio de 1926, esta jornalista distinguiu-se em importantes reportagens de teor politíco e social.

Durante vários anos trabalhou no Brasil, tendo colaborado no Correio Português e em A Época . Assinou artigos, crónicas e reportagens que tiveram grande repercussão no Brasil ao ponto de lhe ser atribuída a distinção de Cidadã Carioca Honorária.

Virgínia Quaresma foi também das primeiras mulheres a licenciarem-se pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Foi condecorada com a Ordem de Santiago pelos serviços prestados ao país durante a I Guerra Mundial.

Feminino Muito Plural -- Constança ( ? )

Durante vários séculos chegaram a Portugal negros que vinham das costas de África.

Eram trazidos por traficantes de escravos que depois os negociavam na capital e um pouco por todo o país.

Lembremos uma figura de mulher africana cuja lenda manteve a sua memória até aos nossos dias...

Constança viera ainda menina das terras de África. Trabalhava como escrava em casa de uma família abastada no bairro da Ajuda. Com o tempo transformara-se numa mulher de rara e exótica beleza, de grande bondade e inteligência.

A sua graciosidade natural e elegância desafectada tornavam-na muito atraente, produzindo grande inveja em muitas meninas brancas educadas.

Um jovem aristocrata conheceu Constança e sentiu forte desejo de com ela conviver intimamente. Rodeou-a de promessas e carinhos. Deslumbrou-a com a perspectiva de um futuro de liberdade e felicidade. A ingenuidade de Constança, ignorante das maldades do mundo masculino, levou-a a deixar-se seduzir por esse rapaz, sem escrúpulos, que somente desejava a satisfação de um apetite depravado.

Algum tempo passado, já abandonada pelo amante, Constança deu à luz o fruto do seu troturado amor. A criança foi-lhe roubada e Constança nunca mais a voltou a ver, acabando por enlouquecer com tamanha dor!

Era agora um farrapo humano e deambulava ensandecida pelas ruas da freguesia da Ajuda em Lisboa.

A sua triste história chegou até aos nossos dias, tendo um edital camarário, de 18 de Dezembro de 1989, denominado, em sua memória, uma rua da mesma freguesia com o nome: Rua da Preta Constança.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Feminino Muito Plural / Carolina Ângelo

A primeira mulher a votar no quadro dos 12 paises europeus que vieram a constituir a União Europeia.


Carolina Beatriz Ângelo nasceu na Guarda em 1877 e faleceu na mesma cidade em 1911.
Carolina Ângelo era uma militante republicana muito activa. Ela e Adelaide Cabete fizeram, pelas suas mãos, a bandeira que viria a ser hasteada em 5 de Outubro de 1910 na Câmara Municipal de Lisboa.

Carolina Ângelo formou-se em medicina na Escola Médico-Cirurgica de Lisboa. Foi a primeira mulher a praticar cirurgia em Portugal.

Exerceu o cargo de Presidente da Associação de Propaganda Feminista. Presidiu também à Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Dedicou grande parte da sua vida à luta pelo direito das mulheres e sua emancipação.

Ao tempo só os chefes de família podiam votar nas eleições para as Câmaras Municipais. Carolina Ângelo que era viúva e mãe considerou-se como chefe de família e pediu a sua inscrição nos cadernos eleitorais, o que lhe foi negado. Mais tarde, depois de grandes batalhas jurídicas, os tribunais concederam-lhe o direito de votar. Tornou-se, assim, a primeira mulher a exercer o direito de voto em Portugal em 28 de Maio de 1911 nas eleições para a Constituinte.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Feminino Muito Plural -- S.A.R. Dona Maria Benedita

A Princesa Dona Maria Benedita nasceu em Lisboa em 1746 e faleceu em Lisboa em 1829.

Dona Maria Benedita era a quarta filha do Rei D. José e da Rainha D. Mariana Vitória de Bourbon. Teve uma esmerada educação. Ddicou-se à música, canto, pintura, desenho e poesia. Era fluente em castelhano, francês, italiano e inglês.
Aos trinta e um anos casa em Lisboa com o seu jovem sobrinho o Príncipe D.José, presumível herdeiro do trono de Portugal, que tinha dezasseis anos, tendo vivido durante onze anos profundamente apaixonada pelo marido que morre em 1788. Depois de viúva ficou inconsulável e passou a fazer uma vida solitária e comtemplativa.
A Princesa Real comprou uma quinta em Runa na qual mandou edificar o Asilo dos Inválidos Militares. Foi a forma que encontrou de homenagear a memória do seu amado marido que tinha uma predilecção pelos assuntos militares.
No seu testamento deixou importantes legados para a sustentação do Asilo Militar de Runa que ainda hoje cumpre a sua missão.

Feminino Muito Plural -- Maria Isabel Aboim Inglês

Maria Isabel Aboim Inglês nasceu em Lisboa em 1902 e faleceu na mesma cidade em 1963.

Maria Isabel Inglês foi uma lutadora anti-fascista, membro da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática M.U. D. Directora de um colégio de ensino particular, criado em 1949.
Maria Isabel era professora da Faculdade de Letras de Lisboa. Leccionou História Antiga e Moderna e Psicologia Exprimental.
Foi vítima de várias prisões arbitrárias, por diversas vezes barbaramente torturada pela plícia política do fascismo.
Esta corajosa anti-fascista era uma presença constante nas Jornadas de Luta contra o Fascismo e nas campanhas eleitorais para a Presidencia da República do Dr. Rui Luiz Gomes, do General Humberto Delgadoe e do General Norton de Matos.
Viúva, com cinco filhos, entregou-se sempre à luta pela liberdade, tendo levado uma vida de grande dignidade e coragem.

Feminino Muito Plural -- Mécia Mouzinho de Albuquerque

Mécia Mouzinho de Albuquerque nasceu em Lisboa em 1870 e faleceu na mesma cidade em 1961.

Mécia Mouzinho de Albuquerque foi escritora e poeta. Fundadora da Liga Portuguesa Contra o Câncro em 1931.
Mesmo depois da implantação da República, Mécia defendeu a Monarquia, tendo demonstrado grande coragem e lucidez.
Foi atacada e perseguida pelo jovem regime republicano. Fundou em 1915, juntamente com a Condessa de Ficalho e Constança Telles da Gama uma associação para ajudar e apoiar os monárquicos mais precisados de auxílio e vítimas das perseguições dos republicanos. Visitou presos políticos, tendo por isso passado por momentos muito difíceis, tendo sido vítima de várias perseguições.
Mécia Mouzinho de Albuquerque era uma personalidade de grande sensibilidade e cultura. Publicou várias obras em prosa e em verso, algumas das quais foram traduzidas para espanhol, francês, e marata. Colaborou em diversos jornais e revistas portuguesas e estrangeiras, assinando os seus artigos sob o pseudónio Zoleica.
Mulher de uma vasta cultura percorreu a Europa em digressões intelectuais e artísticas.
Era membro correspondente da Société de Gens de Lettres de France em Portugal.
Pela sua colaboração no jornal "A Voz" foi condecorada com a medalha de Mérito Cívil e de Artes e Letras.