sábado, 10 de fevereiro de 2007

A poesia é um acto de solidão


É necessário estar completamente só para se sentir a natureza da obra da criação e a totalidade dos deuses que nela pulsam. É um acto solitário como a dor é um momento desintegrado de nós, da sociedade e das suas regras, sejam estas morais estéticas ou linguísticas.

Escrever um verso é ter este privilégio de por um momento se sentir só e de ser único como mais ninguém o pode ser.

Ser poeta é estar colocado em frente a uma folha de papel e preparar-se para mentir, muitas vezes mesmo para enlouquecer. Findo o verso, o poeta volta ao mundo da dolorosa realidade em que a solidão lhe é negada. A solidão do poeta em nada é comparável à solidão dos seres felizes, pois o poeta anseia por este estado em que a dor e a alma se conjugam para dar lugar a um outro indiscritível estado, exaltado porque desnecessário. Ímpar porque o poeta e o poema debatem-se pela unicidade.

O poeta chora ou ri? Diverte-se com o poema ou refugia-se nele?

Não se sabe nada dos poetas e tanto se escreve sobre eles. Se nada sabemos, eles são brancos e vazios, se julgamos saber e dizemos existem então para a literatura, mas morrem tombando sobre si próprios. O que fazer então?

Se nos pedissem que inscrevêssemos numa coluna o nome de todos os poetas que julgamos ser Poetas e noutra o nome dos poetas que pensamos que o não são, que resultados obteríamos? E se nessas colunas escrevêssemos todos os poemas que consideramos como tal e todos os poemas que achamos que o não são, que resultados obteríamos? E se confrontássemos as nossas colunas com as dos nossos amigos que resultado obteríamos? E se o fizéssemos confrontando as nossas colunas de poetas e poemas com as dos nossos inimigos? Que resultados obteríamos?

É pela diferença do conhecimento que temos todos uns dos outros que nos julgamos indivíduos, assim como o poeta se sente ilusoriamente um ser como todos os outros diferenciando-se unicamente de si próprio quando poeta ou quando respira. Sim, porque os poemas não têm ar. Com esta ideia aproximamo-nos da ideia de poema total, que pode ser definida como o poema que estabelece relações fortes de oposição e antítese, aspirando a um irreprimível desejo estético de sobrevivência para lá dos tempos. Não há um poema poema que não guarde em si todo o saber cultural e linguístico de uma Língua ou das suas possibilidades.

Podemos assumir quatro posições fundamentais em face da literatura: tentar conhecê-la, estudá-la, ensiná-la ou vivê-la. Quanto à poesia, especificamente, parece-nos que a única atitude é vivê-la, pois esta parece ser a forma literária intraduzível na sua plenitude, assim como a vida é irrepetível e por isso intraduzível na sua metáfora.

H. Levy

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigada, por estes presentes para a alma. Gosto e muito.